
O último Censo de Educação Básica mostra que o número de crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) matriculados em salas de aula regulares aumentou 50%. A presença de alunos com autismo em escolas especiais no ensino fundamental também cresceu: das quase 1,8 milhão de matrículas na educação especial, 35,9% são de estudantes com o transtorno.
Os números mostram um crescimento deste público no ensino básico, mas, para muitos pais e professores, o aumento de alunos com TEA em sala de aula ainda gera desafios de como atender os estudantes sem precarizar o desenvolvimento deles.
A deputada estadual e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, Andréa Werner (PSB), recebe inúmeras denúncias que mostram que ainda há um longo caminho a ser percorrido quando o assunto é educação de crianças com TEA.
“Só nos dois primeiros anos de mandato recebemos mais de 1 mil denúncias sobre problemas na inclusão escolar. Seja em matrículas, seja no suporte ou até denúncias de violência em colégios”, cita.
Ela, que tem TEA e é mãe de Theo, que é um autista com nível alto de suporte, já passou por dificuldades para poder matricular o filho em uma escola que o acolhesse. “Era só mencionar no telefone que a vaga para meu filho sumia. Diziam que não poderiam oferecer o que ele precisava. Ele só passou a ser incluído quando foi para a rede pública”, conta.
Do nascimento de Theo, há 17 anos, para os dias atuais, Andréa afirma que a inclusão melhorou, mas está longe de ser o ideal. Ele atualmente estuda na rede estadual, em São Paulo. “Falta preparar esses espaços. Temos uma legislação robusta, mas escolas particulares recusam matrículas. Nas públicas, cada sala de aula tem de três a quatro alunos autistas, isso sem contar as outras deficiências”, lamenta.
Sabrina Agüera, mãe do Luís, também sentiu que a educação particular não estava preparada para atender o filho dela, mas diz ter tido a sorte de encontrar uma escola inclusiva em São Caetano do Sul, onde mora. “Precisei trocá-lo de escola, porque não me davam suporte para ele se desenvolver. Ele não interagia com os amigos, não gostava de toque, de texturas e estímulos. Eu questionava e diziam que era ‘só a personalidade dele’”, conta.
Ela, que hoje tem o DoroTEA, núcleo de desenvolvimento de crianças com TEA, conta que na segunda escola conseguiu desenvolver o filho a ponto dele diminuir a necessidade de suporte. “Eu tive que omitir o diagnóstico dele e, só após fazer a matrícula, é que consegui falar e me surpreendi que ele foi bem acolhido”, cita.
No DoroTEA, Agüera conta que recebe relatos de mães que não conseguem matricular os filhos, que não têm planos educacionais individualizados ou enfrentam profissionais descapacitados nas escolas. “Muitas vezes os alunos são colocados na sala e não aprendem, ficam ali, escanteados”, afirma.
Há uma filosofia de que o professor não precisa entender de autismo e só de educação. Temos que mudar isso. Cada criança com TEA funciona diferente. Não basta só frequentar a escola, eles precisam aprender - Andréa Werner.
‘Escolas públicas precisam incluir autistas, particulares pensam em gasto’

Para muitos pais de crianças com autismo, a melhor opção é atualmente o ensino público, já que as escolas são impedidas de negar matrículas. “Eles não vão recusar, até porque isso dá um procedimento administrativo muito grave. Agora, as particulares veem esses alunos como os que vão dar gasto”, pontua a deputada Andréa Werner.
“É aquele que a escola tem que contratar um acompanhante e não pode jogar esse custo para a família, ou ter que formar os professores para o ensino de crianças com TEA”, diz Werner, que afirma que teve matrículas para o filho negadas em escolas particulares e inclusivas em São Paulo.
Werner cita que escolas públicas e do estado ainda têm salas lotadas, professores sobrecarregados e questões de inclusão. No entanto, afirma que, ao menos no estado de São Paulo, o poder público está aberto a entender as necessidades de autistas. “Na base da conversa conseguimos convencer o governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que é preciso contratar acompanhantes terapêuticos. Agora a briga é que não fique um profissional sozinho com cinco alunos”, diz.
Apesar das carências do ensino público, estados como São Paulo têm legislações e projetos intensivos para inclusão de alunos com TEA em sala de aula. Em janeiro, o governo anunciou novas regras para atendimento de estudantes com o transtorno. É o que explica a consultora de projetos de inclusão da Secretaria de Educação do estado, Paula Oliveira.
“Hoje fazemos uma avaliação daquele aluno, identificamos as necessidades e vemos se ele precisa ou não de um profissional de apoio, que fica em sala de aula e dá suporte ao estudante na execução das tarefas do dia a dia”, diz a consultora.
As novas diretrizes, segundo Paula, já surtiram efeito prático no dia a dia dos alunos. “Percebemos uma melhora na autonomia, uma interação maior com colegas e uma evolução no aprendizado. Recebemos feedbacks das unidades de ensino e vemos que está dando resultado”, explica.
A inclusão começa a partir do momento que o estudante entra na escola e todos estão preparados - Paula Oliveira.
Falta de formação e apoio sobrecarrega professores

Uma das principais reclamações dos professores é a falta de apoio e entendimento da condição do aluno para que ele evolua em sala de aula, como aponta a professora no fundamental I em uma escola particular, Priscila Aravena, especialista em TEA. “No meu caso a coordenação é presente, mas muitas vezes a família não vai atrás dos profissionais e, assim, fica difícil haver uma evolução do aluno”, explica.
Segundo Priscila, lidar sozinha com uma sala de aula com alunos sem deficiências, mas necessidades individuais e outros com TEA, que precisam de maior atenção, é um desafio diário. “Cada dia é uma novidade, nem sempre o aluno com TEA pode esperar eu atendê-lo. Alguns ficam agitados e em alguns momentos preciso solicitar ajuda de uma auxiliar ou da coordenação”, pontua.
Sabrina Agüera, que tem um núcleo de desenvolvimento para autistas, diz fazer projetos com escolas que procuram o local para ajustar o ensino voltado a alunos com TEA. “Eles citam que têm vontade, mas não têm condição de preparar um material adaptado, de dar o conteúdo para 30 alunos e dar atenção individualizada ao mesmo tempo. Eles não são robôs e isso os sobrecarrega”, conta.
“Cobramos da escola, mas eles precisam estar ali, ter tempo para organizar e atender as crianças”, diz Sabrina. A questão do número de alunos por professor também é um dos desafios, na visão da deputada Andréa Werner, que protocolou um projeto de lei que limita o número de alunos na rede estadual de ensino.
“Até os alunos típicos sofrem. Recebemos reclamações de professores que é impossível a inclusão com uma sala de 40, 45 alunos. Imagine que destes, cinco tenham alguma deficiência? Não tem como dar um ensino individualizado”, afirma.
A Secretaria de Educação de São Paulo afirma que a média de alunos por sala de aula nas escolas estaduais é de 32 alunos. “São particularidades, a rede é muito grande, mas tentamos combater estas situações”, diz Paula Oliveira.
Priscila Aravena também cita que a falta de um auxiliar em sala de aula é um dos fatores para a sobrecarga. “É necessário. Se eu foco apenas nos alunos com TEA, estou excluindo todo o resto da turma. Então uma auxiliar é primordial para que todos os alunos sintam-se acolhidos”, diz.